terça-feira, 31 de agosto de 2010

Perda Conveniente

Adormeceu no ponto do ônibus. Quando acordou, já era dia feito. Olhou para as mãos como que se reconhecendo, as unhas sujas. Olhou para todos os lados, não sabia onde estava mas isso era o de menos: Não se lembrava do próprio nome, não se lembrava todo! Leu uma placa. Achou engraçado ler e não saber quem se era. Estalou que sabia das coisas, achou-se sábio por saber necessariamente. "A vida é bonita", pensou, apesar de só ter dois dinheiros no bolso.

Fiiiiiiiiiiiiiuuuuuuu, veio do outro lado da rua. Um sujeito lhe acenava enquanto todos no bar o olhavam. Lembrou-se como era ficar embaraçado e ficou. O sujeito insistia no assobio, acenando corajosamente sob o olhar de reprovação dos próximos. Hesitando, dirigiu-se até o homem de barba rala que já havia pedido um copo no qual despejava um tanto de cerveja. Disparou como uma metralhadora:

[leia muito apressadamente o próximo parágrafo]

- Rapaz, pensei que você tinha ficado surdo. Também naquela fábrica... Mas quanto tempo, hein? Na verdade não muito, mas é que esse tempo passa devagar quando se trabalha. Sabe que estava preocupado contigo? Fiquei sabendo que ficou desempregado e não quiseram acertar suas contas, verdade? Olha, sei que o japonês tá precisando de ajuda na mecânica, pode dar uma descida lá, de repente tem alguma coisa. Justo agora que sua sogra veio morar com você, não tinha pior momento. Ela tá meio doente, não? Coisa desagradável. Se bem que, desagradável mesmo foi que roubaram a sua mulher, justo ela, tava com aquele dinheiro do empréstimo bem na horinha. Mas sempre te disse que fazer dívida pra pagar dívida não vale a pena... Inclusive - começou a sussurrar - aquele dinheiro que apostamos no bixo, justo aquele... Já era...

Virou o copo de cerveja que o sujeito lhe servira. Desceu cortante, amarga.

- Caramba, Joarez... Eu aqui tentando esquecer quem eu sou e você nem para me ajudar. Da próxima vez, faz o seguinte: finge que você não me viu que eu finjo que não existo.

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